O Jesuita: (romance)

1759. Talvez julho ou agosto. Na orla do horizonte, que o c?u corde fogo separava da densid?o imensa do chapad?o sem fim, delineou-se asilhueta escura de uma pequena caravana: dois homens e um burro, quevinham em toada cansada, denotando viagem longa. Aquele quadro, surgido de inopino entre o c?u esbraseado e a chapada j? tomada pelossintomas da agonia da tarde, com um pio perdido de perdizes socadas nooco do mundo, e revoadas verdes de maracan?s j? se alinhando emesquadrilhas para a retirada em busca de pouso, somando-se aos tr?s seresdom?sticos, sa?dos sabe Deus de onde, introduzia na paisagem um quadroins?lito que quebrava a natureza daqueles ermos, ferindo a face primitivadaquele mundo m?stico e misterioso, ainda indene da m?o mutiladora dohomem branco vindo de al?m-mar. Caminhando pelo meio da macega seca, vinham. Um delespuxava o burro pelo cabresto. O outro, na frente, ro?agava pelo meio dasmoitas de caju-do-campo a saia sungada de uma surrada batina preta.Descendo o declive suave, chegaram ? baixada, leve depress?o no meio de 7l?guas e l?guas de chapada chata. Bem no centro da baixada, moitas demal?cia-de-mulher e marmeladeiras, um pau-terra-da-folha-larga, um p? depequi e a fronde verde de uma caparrosa formavam um reduto ensombradoque quebrava a monotonia da vastid?o da campina plana e lisa como a facedo mar em hora de calmaria. O padre parou olhando em volta, escolhendo olugar. O que puxava o burro, cabelos lisos e longos e a cor acobreadarevelando-lhe a origem, parou tamb?m. A um gesto do outro, amarrou oburro no tronco da caparrosa. Gemendo sob o peso das bruacas, retirou-asda cangalha e colocou-as ao p? do pau. O padre sentou-se ? sombra e tirouo chap?u, abanando-se. Era um padre ainda novo, uns trinta anos, olhosazuis e pele rosada denunciando sangue sax?o. Achava-se no centrodaquele mundo agreste, rodeado pela solid?o imensa do sert?o indevassado, um n?ufrago no meio do mar de terras, rios e serras de um pa?s descobertomal-e-mal pelos portugueses, ele e Deus e o burro e o bugre furando aquelemundo que parecia n?o ter fim. Entretanto aquele padre, preta batina echap?u j? amarronzados pelo prolongado uso sob sol e chuva, aquele padren?o trazia no semblante o ar de um derrotado, como tamb?m n?o revelavanenhum sinal de submiss?o e paci?ncia, caracter?stica nos catequizadoresenviados pelo rei de Portugal. N?o. Havia arrog?ncia nos seus gestos, determina??o. E um brilho mefistof?lico nos olhos cor do c?u. As sombras invadiam, aos poucos, a campina deserta e silenciosa, com apenas algum grito de gavi?o quiriquiri al?ando-se num v?o bamboacima das copas das ?rvores; pios espa?ados de perdizes, longe; o silvo deuma cascavel chamando a companheira. Ave-Maria. Trindades. V?speras.Hora de reconcilia??o e recolhimento. Mas o padre ergueu-se decidido e, com gestos bruscos, deu ordem ao ?ndio.O sol j? havia recolhido sua roseta de fogo, mas o rubor do c?uainda proporcionava claridade suficiente. O ?ndio foi buscar a picareta de

Author: Maria Eloá de Souza Lima

Publisher: Independently Published

Publication Date: Jan 22, 2020

Number of Pages: 100 pages

Binding: Paperback or Softback

ISBN-10: NA

ISBN-13: 9798602938197